Saturday, March 12, 2011

Ab ovo

Era uma tarde de terça-feira. Eu, por minha vez, estava dando andamento a uma pilha interminável de processos. Infelizmente, para cada pilha que eu dava cabo, outras 3 eram impiedosamente despejadas na minha mesa. Enfim, parecia ser só mais um dia medíocre de trabalho.

Não me lembro exatamente quando, mas em dado momento meu chefe sai da sua sala e sentencia:

- Flores, preciso falar contigo na minha sala.

Ele não parecia putiado nem nada, então, a principio, não me preocupei.

- E ae, é bronca? - perguntei em tom jocoso ao entrar.

Ele não achou engraçado. Me mandou sentar e tirou uma folha impressa duma gaveta. Antes que qualquer palavra fosse dita, pude ver de relance que o conteúdo daquela folha me era absolutamente familiar. Um frio me subiu pela espinha. “Puta-que-o-pariu”, pensei, era a porra dum print-screen do meu antigo blog, mais especificamente de um post onde eu tinha tirado umas fotos de coisas engraçadas em processos judiciais daquele cartório e publicado na porcaria do blog. “Lá se vai meu estágio probatório”, conclui.

- Alguém me ligou hoje reclamando disso aqui – ele disse, quase esfregando a folha na minha cara – o senhor sabe do que se trata?

Eu queria ter dito que “não”, que “não sabia nem tinha nada a ver com aquilo”, mas estava acometido de tamanho pânico, que a única coisa que deve ter saído da minha boca foi um grunhido inteligível.

- E então? - ele tornou a perguntar

- Esse blog não é meu – menti hesitante

- Mas o senhor, obviamente, contribui pra ele, não é verdade?

- É, acho que sim – respondo, enquanto tentava imaginar quem teria sido o filho-da-puta que havia me dedurado

- Eu preciso que tu apague essa merda o mais rápido possível, antes que a juíza fique sabendo, se não a coisa vai ficar feia pro teu lado.

Tomando de pânico, balbuciou algo que deve ter sido um – Ah, ok.

Voltei pra minha mesa. Não fiz mais nada durante o resto do expediente, só pensando nas consequências da merda que eu tinha feito. De todos os blogs do mundo, como foram descobrir logo o meu, e logo aqui nessa merda de cidade? Eu tinha que apagar não só os posts das pérolas processuais, mas toda a porcaria do blog. Eu não poderia continuar escrevendo um monte de merda lá, sabendo que todo mundo do fórum poderia lê-las. O que seria da minha reputação forense, ainda mais considerando que esse bando de debeis-mentais que povoam o judiciário jamais entenderiam meu humor refinado e elegante, nem achariam graça dos meus relatos do Putanheiro-Mor, nem teriam simpatia por minha obsessão por Kid Bengala. Não! Todos me veriam com mais escarnio e desprezo ainda. Eu precisava abandonar aquele blog e criar um novo, um que fosse impossível de ser identificado e relacionado a minha pessoa. Assim eu espero pelo menos.

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