O sol inclemente irradiava seus nocivos raios sobre meu fatigado e esquálido corpo. Uma pequenina, porém gélida, gota de suor lentamente escorria por minha bola direita. Aquela fugaz sensação de refrescância em meu saco escrotal trazia algum alento na íngreme subida. Porém, a cada passo dado, mais eu tinha certeza de que não chegaria consciente ao topo daquele morro. A qualquer momento um mal súbito acometeria meus sentidos, eu desfaleceria ali mesmo, meu corpo rolaria desgovernado morro abaixo. Em seguida, meus bolsos seriam saqueados por favelados esfomeados.
Felizmente, consegui chegar ao endereço indicado e, com minhas últimas forças, bati palmas, e esperei algum sinal. Tinha que ter alguém em casa. Eu não queria ter que voltar naquela merda de lugar.
Uma mocinha apareceu na janela. Era a pessoa procurada. Ainda meio esbaforido, iniciei meu monólogo padrão monotonicamente.
Em resumo, a guria tava sendo intimada para ir numa audiência.
"Ah, mas do que que é isso?", a mocinha perguntou.
"Olha, minha senhora, eu sou um reles carteiro do fórum, um mero entregador de intimações, um portador de péssimas notícias; o processo eu não conheço. Contudo, pelo título da ação, presumo que você tenha feito um boletim de ocorrência por agressão contra fulana de tal, sendo que referido procedimento foi encaminhado ao fórum, onde é realizada uma audiência de conciliação", respondi.
"Ah, ela me bateu mesmo, mas eu também dei umas porradas nela. É que ela chutou meu cachorro, sabe", ela comentou com a maior naturalidade.
"Deus, toda a necrosada máquina da justiça foi acionada por que alguém chutou o cachorro do vizinho", pensei para comigo, "que merda de judiciário", foi o que eu deveria ter falado, mas apenas soltei um mecânico "assina a minha via, por favor. Obrigado e boa sorte."
Wednesday, September 12, 2012
Bolas de Aço
Putanheiro-Mor
Houve um tempo em que eu trabalhava com um sujeito singular, Putanheiro-Mor, cujas supostas façanhas sexuais eu costumava relatar em meu antigo blog.
Lembro-me com saudosismo de seus ensinamentos de cunho erótico.
Até seu vocabulário era imbuído de sensualidade, de onde se tirava expressões como:
- Essa banana já deu cacho: utilizada para se referir a uma mulher com quem já se tenha praticado conjunção carnal.
- Molhar o bigode: referência ao ato de praticar sexo oral em uma mulher.
O que terá sido de Putanheiro-Mor? Será ele ainda um pacato burocrata que, ao cair da noite, sai pelas ruas de Isla Pequena a procura de sua próxima vítima? Terá sua lascívia doentia sossegado?
Onde estás, velho mestre?
Tuesday, September 11, 2012
Contos da Favela do Siri
Numa tarde dessas, moradores da favela do siri que olhassem por suas janelas, veriam um rapaz branco, claudicante e desmilinguido passando em frente de suas casas.
No que eu dobrei a primeira esquina, vi um casalzinho vindo. Um maloqueiro e uma guria loira de uns 16 anos. "Que lastima", pensei, "qual a doentia atração que esses vermes exercem sobre belas mocinhas adolescentes?". Perturbou-me também o fato de que o sujeito vinha tentando enrolar alguma coisa nas mãos enquanto andava, porém sem sucesso. Ele teve que parar e se encostar num poste para concluir sua tarefa, bem no momento em que passei por eles. O sujeito tava enrolado um cigarrinho do capeta, bem no meio da rua, em plena luz do dia.
"Que merda de lugar", pensei. Não é a toa que a mãe natureza, lentamente, dia após dia, vem encobrindo aquela localidade com suas areias.
Meu objetivo, naquele lugar desprezível, era justamente intimar um sujeito que está sendo processado criminalmente por porte de drogas.
Entrei na ruela indicada no mandado e comecei a procurar pelo respectivo número. Na favela do siri, a numeração das ruas não faz o menor sentido, e achar uma casa específica lá é sempre um martírio. Esbaforido, cheguei ao final do beco, sem ter localizado a residência apontada, quando vi a bizarra cena que me inspirou a escrever estas medíocres linhas.
Um sujeito, tetraplégico, em sua cadeira de rodas, numa rodinha de maconheiros. Cada um dava uma pitada na porcaria e passava pro próximo maloqueiro. Quando chegava a vez do rapaz entrevado, um solicito amigo gentilmente colocava o baseado em sua boca e esperava ele tragar, passando então pro próximo.
Não soube ao certo o que pensar daquilo. Talvez eu devesse ter jogado uma granada no meio daqueles caras, mas o preço da granada anda caro, então achei melhor esperar por outra oportunidade, quando houvessem mais maconheiros reunidos.
Fui pra casa e tomei várias cervejas, e, antes de bater violentamente e sem qualquer motivo na minha mulher, pensei: "como a maconha é uma substância terrível que vem arruinando as famílias brasileiras".
Monday, September 3, 2012
Eu tô bem
Eu tinha acabado de chegar em casa após uma extenuante tarde de trabalho. Ansiava por me sentar no sofá e jogar videogame para esquecer da vida medíocre, de cara branco de classe média, que levo.
Mal eu iniciará de desamarrar o calçado. O telefone toca; era do fórum; eu estava de plantão.
Era um alvará de soltura e mandado de citação. O mesmo sujeito deveria ser libertado do cárcere e citado em uma ação penal. O cara tava recolhido no Hospital de Custódia, que é o "presídio dos malucos".
Amarrei novamente o tênis; entrei no carro; dirige-me até o ergástulo; apresentei-me ao carcereiro; levaram-me até o calabouço.
O responsável pediu pra mim aguardar numa salinha, era como um parlatório, onde advogados tem entrevista reservada com seus clientes enjaulados.
A porta se abriu, entrou um sujeito de uniforme laranja acompanhando de um agente prisional. Logo já vi que o cara tava chapadasso, totalmente dopado.
Apresentei-me e iniciei meu longo monologo a fim de que todas as formalidades legais fossem preenchidas. Ocorre que, a cada palavra que eu dizia, mais eu constatava que o cara estava em outro planeta, totalmente alheio ao que acontecia ao seu redor.
Interrompi minha fala e olhei naqueles olhos vazios, procurando alguma resposta, algum sinal de que o cara estava me entendendo.
Num lampejo de luz, percebendo que eu esperava alguma reação, o cara soltou um débil "eu tô bem, eu tô bem".
"Deus", pensei, "que merda de emprego". Continuar era inócuo. "Assina essa parada aqui", falei, e lhe entreguei a contrafé.
Voltei para casa. Joguei videogame mais avidamente do que nunca.